FELIZ ANO NOVO, VELHO.

A taça de champanhe ainda cheia e suada continuava ao seu lado, mas devido às doenças decorrentes da idade ele já não bebia mais. Numa cadeira no canto do terraço de um luxuoso apartamento numa área nobre da cidade ele avistava tudo o que podia, mas já não podia tanto assim. Preocupado se a esposa iria se lembrar dos seus remédios ele até tentou chamá-la, porém ela estava muito ocupada servindo os amigos do seu filho bem sucedido, o dono do apartamento. Ele não entendia porque a Corrida de São Silvestre não começava mais a meia noite enquanto tentava ouvir o som da TV abafado pela música chiclete que dava o tom da festa chique. O velho balançava a cabeça em sinal de reprovação ao ver suas netas se amassando com meninos tatuados que ele nem sabia quem eram os pais.

Faltavam apenas 5 minutos para o ano novo, entretanto esse seria para ele mais um ano de melancolia e recordações que iam e vinham em sua cabeça de poucos fios brancos. Não fazia mais sentido comemorar algo em que ele não teria nada para comemorar. Suas histórias eram sempre as mesmas, sua profissão de sapateiro já não era das mais interessantes e seu filho já não queria mais que descontassem o plano de saúde dele do seu contra cheque pomposo. Apenas o convidava todo ano para mostrar tudo o que conquistara como gerente de uma multinacional, enquanto o velho ficava parado feito um móvel.

E quando começou a contagem regressiva um jovem alcoolizado e com uma garrafa de whisky 12 anos nas mãos arredou para a frente do idoso um freezer lotado de picanha argentina, pois estava atrapalhando-o de ver o local da queima de fogos. O velho tentou reclamar com seu filho que fingiu não ouvi-lo só para não perder o momento exato de abrir mais um champanhe francês.

Com o restante de força que ainda lhe restava o ancião que tantas histórias tinha pra contar protagonizou a última delas. Ele ergueu suas pernas, apoiou os pés no freezer e se jogou para trás, quebrando assim o Blindex de 10 milímetros de espessura. Ele despencou do terraço do prédio de 13 andares.

Naquela noite o filho magnata, bem sucedido, ocupadíssimo, assistiu o show pirotécnico mais triste, silencioso e sem cor da sua vida.

Pergunto: Onde estava o “seu velho” na noite de réveillon?

2 comentários:

  1. Caraca! Começou o ano inspiradíssimo, meu caro Lange. Excelente crônica. Vá guardando todas para o livro. Já começou a planejá-lo? Abraço.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. kakakaka. Não comecei a planejar o livro ainda Rubão. Não sei se conseguirei manter uma linha de raciocínio por tantas páginas, já que o cotidiano da política, das novelas e do futebol não me deixam pensar em um história apenas. (risos). É muita coisa acontecendo... Mas obrigado mais uma vez. Grande abraço.

      Excluir

Digite aqui seu comentário. Se não tiver um login válido e comentar como Anônimo, favor colocar o seu nome no final para que o autor saiba quem é!